terça-feira, 17 de dezembro de 2013

nem em ponto

todos os dias, ele entrava no ar: sete em ponto. nada muito diferente do usual. coisas urgentes: pessoas com fome, prevaricação dos costumes, condições de vida precária (portanto, vida sem condições), fome, miséria, doenças, trânsito, violência de diversos tipos - da doméstica à econômica. ele era capaz de expressar continuamente a opinião corrente de um sem número de outras pessoas. portanto, um formador de opinião - diziam. ele sempre repetia as mesmas palavras. tinha seu jargão. fui incapaz de somar todos os seus epítetos e juízos. não exporia nenhum. seu crédito não cessava. sem esperanças paravam frente a tv à espera de que ele lhes dissesse aquilo que já sabiam, mas gostavam de ouvir. algum conforto lhes restava disso. sabiam que não estavam a sós e que o futuro deles não era uma exceção. era exceção em estado puro. abdicavam e abdicavam e abdicavam. não percebiam o hiato consonantal entre as sonoras bilabial e dental. sempre os hiatos. as sete em ponto, um hiato. o apresentador começa a disparar seus jargões. desta vez sobrepunha-se aos vt's inarticulado e inadivertível. não parava de dizer o que dizia todos os dias. mas o dizia descarnadamente, sem o parar habitual, o tom solene e conciso. era a exceção absoluta. deram um intervalo. um intervalo grande que não acabava nunca. na volta, ele em silêncio, na frente da câmera. nos bastidores, tinha feito a promessa de que estava tudo bem e de que tudo voltaria ao normal. podiam retornar com o programa. a audiência continuava bem. ele, em silêncio, nós, em silêncio, durante um tempo grande, longo, intenso, incessante, um silêncio, sem medo, nem ameaças, uma comunidade só, a sós, reunida finalmente, todos na frente da câmera - um fuzil.  respirávamos e isso consolava, enquanto ficávamos ali, no silêncio inacreditável das câmeras da tv. o quanto durou, não contei. era um muito pouco tempo longo. mas ele tinha ficado em silêncio e ninguém queria dizer nada. até que tudo voltou e ele retornou aos seus jargões, mas já não tinha volta. ele só dizia os jargões. não apresentava os vt's, nem os helicópteros com seus fuzis apontados para baixo, transmitindo ao vivo, os acontecimentos mais frescos daquele dia. e ele dizia, e dizia, e dizia, nós em silêncio ainda, com os fuzis do silêncio na cabeça. era demais pra nós, a realidade, era demais. um demasiado insuperável para que pensássemos nele. depois das sete em ponto, iríamos dormir, iríamos acordar, dizendo muito pouco e sempre em silêncio. os significantes insignificantes. e eu aqui com os meus jargões.. e nem são sete e nem em ponto,  

error.au.sea

diga,
rediga,
e trediga,
mas o que te intriga
é ato de f a l  a
                   h

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

19 anos atrás

p/ uma foto e dois amigos

no encanto direito da foto
marcava noventa e cinco em número
e jun de junho, de irene e de alegria
eram dois mais algumas bananeiras
umas roseiras, grama, um muro de verde
continuante porteira ou cerca bem branca

ela o sol deixava batente
reluzir manhã em seu rosto de amor
a ele que escondia-se nela
como o amor o jogo
de mostrar e de esconder

o céu de inverno
soprava e soprava as nuvens de paz
e hoje ainda sopra
não dexistiu de soprar dos corações
é a nobreza da paixão inacabada
e inacabante que só
numa junta de vida toda
faz e não se desfaz
perfazendo-se sempre do nada