sábado, 29 de outubro de 2011

Impossibilidade do poeta



K

Não, ele não ouviu música naquela noite O ar era denso e delirante, de um delírio pesado e mórbido daqueles que aprenderam a negar Tudo brilhava, mas não havia cores: era um negro só Havia comida farta e ninguém sabia direito como saborear: a fome cegava as palavras O texto se perdia nas consciências já alheias O pulso do punho descompassava o pulso do peito Nada era direito As frases se precipitavam e sumiam na mesma velocidade em que eram desescritas Confundiram-no com um grande escritor Deram-lhe todos os títulos e a tão sonhada vaidade inflamada na qual padecem os pedantes Ele pensou em desistir Formalizava suas sentenças e seu sexo Seu falo já não era o mesmo Pensou nas diversas formas de fugir ao labirinto gramatical que se lhe impunha Pensou em transgredir os campos semânticos Pensou na selvageria dos neologismos Despensou nas possibilidades de fazer o novo Não se queria e sentia-se carente de si e das coisas Por mais que se demorasse em si, se perdia no divã das ideias que de análise em análise viam-se recalcadas pela figura pseudo freudiana que fumava pedra ao seu lado O texto cheirava a borracha As carreiras viravam pó que se submetiam aos créditos dos cartões Os patrões eram escravos dos médicos que eram escravos dos traficantes que eram escravos das mulheres que eram escravas dos filhos que cresciam e queriam ser alguém - o que sempre exclui a possibilidade de ser escritor Não havia tango nem samba nem fado nem nada que desfizesse o descompasso Era o mundo do mundo no mundo que sempre voava inccompleto As sacolas de papel e de pão caíam na África vazias de sentido O ar era denso Nada era direito Um composto cheio de pó sem superfície Uma profundidade sem verbo Não, ele não ouviu música, o coração era o compasso a tocar,

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

... a propósito: já que nos chamam prosódia

Relembro o registro secular que sempre existira em todo estar acontecendo, irrepreendido instante professo que antes o que ora olhei e que não, enquanto ora, atravesso ali, além do beco escuro qual luz sutil de grave encontro um sonho feito de ar,  eu sôpro. Rememora ora mesmo mesmo agora e quem sabe tal alento vento qual luz de hoje mais um dia um dia dia o primeiro dia a dia ria ria ria sem nada mais que ser adiado adiantado pra lá andando certo por inconcreta que a discreta coisa discrepante de ser gente supõe sempre. E que nada. A mais que quando a terra turva vermelha crua e fresca beija a tez desse calor lorido lindo sente cheiro gente carne solo carne sim, e sim e sobre e dentro e intenso vibro brilho lorífico jasmim. O fogo enfim estalo mista flor de ar para dar no pingar do oceano a conta gotas. Contas, contas pra mim, que trazes que dizes que sabes que partes e apartes entantos demais daqui. Li ali. Sim li.

Nota.

__ Sr., é devido e oportuno que repitamos as últimas ações.*
__ Imediatamente, senhora.*
Um outro:
__ Importa, porém, que sejam examinadas outras possibilidades, junto a circunstâncias e riscos de operação.*
__ Sim, mas para isto seria necessária uma consultoria e seus integrantes não podem nos atender diante das urgências de nosso objetivo.
__ Engana-se, Sr., Esta nota permite uma nova compreensão e pronta definição das próximas providências. Leia.*

Nota de rodapé:
* Aí quem fala é a cadela indômita.
* Aí quem fala é o chefe safadinho.
* Aí quem fala é o marido da cadela indômita ( louco para ficar indômito com a esposa novamente depois das recentes decepções e mágoas).
* O marido da cadela indômita refere-se a uma nota, feita por um desconhecido cujo pseudônimo era falodepoeta*, que dizia: "Desenredo ", de Guimarães Rosa e "Elixir do pajé", de Bernardo Guimarães dão uma lição importante: a reinvenção é sexual para os corpos, para a história e para a literatura. Frisson de toda malbendita pessoa pessoana: alterar com algo só seu. Deví(r)cio. Portanto, para evitar seu divórcio, foda sua mulher como nunca o fez na frente dele e mostra pra ele, seu trouxa!"


*Nota final
falodepoeta, na verdade, era um assomo esquizofrênico/ filosófico/ artístico do nosso infeliz personagem que, tendo sido traído, broxou, chorou, procurou outras mulheres sem conseguir nada e, depois de tudo, fez residir na literatura sua redentora imaginação, lendo só a boa (incluindo as pornográficas, claro) e olhou no espelho antes de ter a memória traída pelo seu potente self nunca dantes explorado, que escreveu a nota. falodepoeta estava nele. falodepoeta está em nós.






Melancólicas

A gota, lenta, desenhava um rastro espelhado. Longo, longuíssimo caminho de 15 cm até chegar à superfície da mesa. Meta desinteressante para tão difícil empreitada, mas havia caminho a escolher? Uma gota quer um caminho? Não. E, fim das contas, todo fim de caminho seu é um chão. Metafórico, denotativo, análogo... que seja.
Ela havia percorrido, pequena, involuntária, as intimidantes montanhas: as mãos desinteressadas em volta dela. Estas seguravam o copo sem saber querer soltá-lo ou agarrá-lo e, nessa cerimônia inexplicável, outras gotas tremiam como a primeira e, depois de alguns acúmulos e tensões,uma segunda gota precipitou-se.
E uma terceira.
E outras.
Até cessarem.
E as tais mãos desprenderam-se, líquidas, deslizando, e elevaram-se para tocar um rosto e molhá-lo. Toque morno, mas sem conforto, pois a boca do rosto disse: "Não são lágrimas".
E tudo secou por fim.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

aindassim

Se eu tivesse três pedaços de mim para fazer tudo o que eu desejo esses três desejariam mais três pedaços e cada um a sua maneira desejaria fazer um outro tudo muito maior exigindo mais uns outros nove pedaços Se esses nove pedaços de mim tivessem vinte e sete pedaços de mim pra fazer tudo que eles desejassem esses vinte e sete pedaços desejariam cada um a sua maneira fazer um tudo muito maior exigindo mais uns oitenta e um pedaços Se esses oitenta e um pedaços se esses duzentos e quarenta e três pedaços se esses setecentos e vinte e nove pedaços se essa calculadora dissesse dos pedaços ao infinito exigiriam ainda os pedaços novos pedaços de mim nunca encontrando ponto de partida ou chegada

O desejo é sempre maior do que a razão A vontade desenfreia os desejos O mundo acostumam os poetas a dizer é sempre maior sempre Resta restassim nesse desfalecer rumo ao abismo da aniquilação o sorriso de um bom dia da senhora que não sei se tem ido a missa mas passa na esquina com ares de quem rezou boas preces e uma máquina de criação de criação de desejos (ainda que pequena) (ainda que falha) (ainda que breve) (ainda que viva) (ainda que carne) (ainda que pouca) (ainda que rima) (ainda que nade) (ainda que deixe) (ainda que passe) (ainda que seja) (ainda e aquém) (ainda também) (ainda que sem) (ainda que nunca) (ainda que palavra) (aind'apura) (sempre devêm),


(ainda que ainda) 


(e evito dizer querer a pureza da palavra o que já é por si só uma sujeira)

Contingência *


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

cove-frusser

[in menage a FlusLove II de Benedito de Freitas]

duzentã coinagimaçã
dá love de image curta e fanta

sia de frô
amô de sofia
e filô

revoluçã sem adã
de ponto br sem ponto com
vida divia dupra
simulaçã de pratão
arté de fluissã

nhem, nhem, nhem,
é o mar, omar, oscar
de infromaçã, chorô

duzentã, trezentã,
tu com cove e frô
sempre amô, 
sempre fan
japã
e caquer coisa quiqui dentr meche

oriente, rapá
o otro lá da infromaçã
congres da infromaçã
congres da inagimaçã
congres da imaginaçã
congres sem descongressá

ma desoriente e desequeça,
pra lembra que não se pó
deixá de isqueçê
deixá de isqueçê é
trem dealembrá!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Refração

n      ar     n      ar    n      ar     n     ar    n      ar    n      ar        
   ad     et   mad  et     ad    et     ad   etm ad   et    ad        
                                                                           nu

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Presente

da direita para a esquerda, ele lê, pensa. Um pisante insensato cruza-se sobre o tempo e sufoca as possibilidades de significância. Qualquer escapatória é vista com maus olhos. Não há lembranças, não há memórias, não há projetos, não há destinos, nem muito menos inclinações idiossincráticas por algum tipo de decisão moral: simplesmente não há (e isso já lhe bastava). Era feito para ser ponto, para aniquilar vírgula, para ser inexpressão de todas as coisas ao mesmo tempo. Um anti-fenômeno cujo índice era pura fantasia.

Na concretude das linhas sãs, impecável era porque nunca havia sido cristão. Não tinha qualquer ressentimento, utilidade, vontade ou volição. Sua temperança consistia em si. Da esquerda para a direita, ele engana o discurso. Olhava com desdém aos miseráveis pombos do passado. Não lhes dava milho, porque milho não havia. Nada era proibido, porque nada ele sempre reconhecia.

Procurava o sol, a janela, os desertos, o areial, o pântano, a baixada, a grota, a braquearia, os piquetes, os pães. Enganava-se com os substantivos. As qualidades perdiam-se. Não havia mais espaço: rijo, murcho, flácido, pegajoso, estriado, liso, moldável. Se dava ao direito de dizer sim. Esquecia logo em seguida. Qualquer definição negativa adequava-se, fortalecia-o e mitigava-o. Um flagelo concreto. Um jogo perdido de saída. Um conceito irrefutável. Sem vaidades, sem vantagens, sem mistificação e com uma dose de conhaque flambado.

Ele sempre nascia,
sempre

pingo de sentimento



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

concreto

         amo                                                                     amo


                                     amo                               amo                                      amo
   amo


                                                   amo                                                                           amo


                        amo                                                        amo                       amo


      amo                                                             amo                                                 amo
             
amo                                             amo
                                                                                                         amo                                                                      amo
                                                                                                                                                               amo