quinta-feira, 29 de março de 2012

O filho pródigo

A puta, quando pariu, viu sortilégios no seu menino porque ele, fruto do amor que, para ela, era impraticável por profissão e por filosofia, amaria plenamente. Certeza de mãe, inconteste.
Ele, crescido e bem educado nas artes e no amor, partiu, depois dos despudores do que tinha aprendido no convívio, amoroso, das graças que o rodeavam desde criança e o elevavam a um pequeno deus, cercado de agrados, mimos e, digamos, éticas para ser homem: comer, bem, pencas de bananas, mulheres, histórias, desafios e tripas dos covardes, vis, fétidos e tolos homens que passavam pela sua casa, dando a esta os ares do mundo inteiro. Era sensível, discreto e, olhando-o, aparentava a pior das carências no olhar pedinte do qual ele mesmo ignorava certos efeitos... a única incoerência do seu porte, mas a perfeição incompreendida arrebatava.
Foi porque quis. Dono de si e das que choraram sua partida escondidas da sua mãe, que fingia, com ciúmes, não saber de nada. Belo, para garantir, e com o dinheiro mais honesto: os homens o davam à sua mãe confessando a ela suas tentações e ela, abrindo-se, recebia-o.
Porém, com todas as fortunas de lenda, nosso jovem era infeliz: mandava fotografias sempre em companhia de mulheres lindas, felizes... mas que logo o abandonavam.
Inconsolável, voltou. E cético quanto à profecia da mãe, que o recebeu dizendo:
__ Você as aprisionou. Todas elas são suas, eternamente.
E, sem se saber por qual curso, uma por uma vinha, irregular, mas impreterivelmente, render-se ao medo, ao maldito medo, ou pelo maldito medo, ou contra o maldito medo, com o maldito medo de amá-lo profundamente no seu trato servil e no seu império despretencioso, na sua força, na sua desfeita fajuta feita da fajuta mágoa...
todas elas gozavam dele, com ele, contra ele, por ele, chorando tão fervorosamente quanto desaguavam os prazeres todos... todas balbuciavam quando queriam urrar:
__ Seu filho da puta!

Carne

Enfim,
pendurados
os corações
me dão as contas:
5 abatimentos.
Fortes foram os bois
agora mortos.

Em mim
mensuradas
quantas paixões
setas e pontas?
quais sentimentos?
À sorte, morta depois:
agora a postos.

domingo, 25 de março de 2012

calhante

conceitos claros na escuridão da palavra
gaivotas voam nos arredores
os urubus descansam
as letras decaem do papel

os quereres tocam os rádios
os amores fazem chover
sal nos olhos de quem não sabe
os predicados doem sem
são sentenças e curtas

sem conceitos há
os indecidíveis da anti-razão
(ou seria racional postulá-los)

um elefante canta na cabeça
das palavras em sua fase pós-lapsária
entre desnexos
encontram-se sons

o mar só pensa em seios
o eu despensa, desconversa
acostuma-se e deserta
há mar do mesmo jeito
a cada onda que deita

de deitar se vai ao sono
ao fim e ao cabo
são os dias, as horas
e as angústias que passam
para um doente na floresta
quando pousa na clareira

não se pode ser raposa
há mais vida para além da caça
objeto para seres cuja cultura
ainda é restrita à espera do advento da lógica

pensavam na areia que não fosse à pele
uma areia antiaderente
já não seria areia ou
não haveria gravidade
donde se conclui que
o peso das coisas
fazem as palavras pesarem nos livros
como se fossem coisas
ou o peso das palavras fazem
as coisas pesarem como nos livros

todavia entortam o poeta
para que ele escolha a linguagem
dite as regras do poema
escreva, descreva, remeta, cite,
plageie, roube ou nada diga de
ontologicamente novo

cansados da poesia
(porque ela não podia dizer nada
nem fazer nada
nem ser útil
nem dar alegria
nem comer um suspiro
tão pouco falar
tão pouco querer
tão pouco encontrar-se
tão pouco usar
tão pouco grafar)
os poetas decidiram em concílio
calarem-se
e já era a poesia do silêncio que diziam
- tagarelavam os críticos -

cansados da maresia
os pescadores foram buscar os peixes
e fizeram dos restos de conchas
um lugar para dormir nos calmos arrecifes

quando tudo era e
e mais alguma coisa
a neblina trazia a chuva
dormiam felizes, frescos
era simples
e não era de dizer
as palavras









segunda-feira, 12 de março de 2012

alfaiataria

na angústia dos pseudo-factos
vestem-se os acontecimentos de
ficções como se testemunhos fossem
roupas mal cosidas pela velha
maquinaria reles de uma psicologia indecente
dentro, as tripas embolam-se aos sentimentos
e o peito bate enquanto apanha
apanha e bate
um ringue

o brilho e a clareza das ações
enegrecidas por motivos baixos
são atropelados e ficam a sangrar
vírgulas

cada um coloca os olhos onde lhes
interessa e se escapa com nobreza
quando os pontos surgem como cumes
altos de montanha moral de onde se vê
o resto que é o mundo
há fugas para os mais covardes
mas os pseudo-factos não se sustentam
no interior de ternos
derretem-se no interior magmático de um sorriso
exclamatório

a água e o sal são remédios morais para o corpo
aplicados em ondas
os rostos surgem e desaparecem na areia
porque tudo devém mais eternidade do que
a moralidade humana



quinta-feira, 8 de março de 2012

pajerama

volutas retorcem-se
criam o altar sem cruz
no qual repousa ele
de falo quente e pouca
roupa no teto da nave
o sacro céu
é um amontoado de brancos
pontos de significação
nula
os bancos largos de madeira
estão de prontidão para que,
naquela máquina, ele diga tudo
que não pensa mas quer esquecer
o piso de tábua
corre sobre os teus pés
e te faz retornar retorcido
lutas, nada vai calhar
pois ao alcançar o frontão
verá que não há sacrifícios
fora uma noite ruim
entre fórmulas sagradas banais
ao abrir o velho portão
tudo será obnubilado
não haverá mais,
sente, há distensão sem pecado;
e era terra que ele pisava

sábado, 3 de março de 2012

das tecituras na pele...

algumas coisas para ter

a.l.i.n.h.a.v.a.d.a

sua íntima

c.o.s.t.u.r.a

precisam ser

t.e.c.i.d.a.s

na  p...........................e...
        ....l..............................e.

você tem liberdade de que?

?
comer
               andar
    vestir
                          amar
    ser
                 pensar
                 sentir
estar
         ?

                               você tem direito de que
?
         você tem vontade de que
?
                                        você tem medo de que
?
                  você tem liberdade de que
?
                  você é o que?
                           ?
- o que? você?

- é... vou ser...

quinta-feira, 1 de março de 2012

Novo vetor de ambiguidade




fato


.

r

longos,
incessantes e
de várias naturezas,
ensinam que não é só o mar
capaz de preencher todas
as frequências Ensinam que
o silêncio é negritude
inalcansável e só
a proximidade dele já
muita coisa ensina
Ensinam sem dizer com palavras
e parece que não se aprende Ensinam
sem o poder errar


Enquanto colonizam
os graves, segue-se
a potência de alguns:
incessantes, centrais, potentes
Simultâneos agudos atacam,
se apoderam de faculdades cognitivas
e não há mandato
Os espaços dos outros serão, doravante,
dos que menos se afetam

Nesse xadrez incessante entre os tons
jogam-se nas cinzas os detalhes
Os motores rugem
como cavalos e bispos
são a correr das rodas
e a rainha se perde no furor
a querer rasgar o tabuleiro

Cansado de ficções
foram tomar rum com os peões