segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Palavra

quero-te inaudita
a soar o improvável que não reconhecerei
(por isso não ouvirei)
a habitar o silêncio da imaginação
da probabilidade

quero-te indefinida
porque definida estará morta
enquadrada
em um caixão-museu
precioso objeto-enigma

quero-te minha
pois nunca serás minha
interposta entre mim, os outros e
os fantasmas das ideias
em alguma confraternização


em que o tempo, este anfitrião de tudo,
me oferecer a ti como antepasto
e a grave senhora que és fazer-se boca
para devorar-me e lançar-me
a uma ambígua eternidade.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

t

[ou posvisão do tempo]

chove hoje
   chove ontem
        chove amanhã
e o tempo é sempre impessoal

                          ontem
                      hoje
                 amanhã
e os olhos dormem molhados
porque chove

ontem se repete
hoje se rrepete
amanhã chove
goteira de ser
esse canteiro de mofo
no teto do banheiro

a umidade
essa chuva que não cai
espalha

a disfonia completa
toca a matéria:
disrritmia densa
atravessa bigorna,
bate martelo
calça o estribo
vai calha afora
desliza superfícies
toca toda frequência
sem agredir nenhuma

pois, chove.


chove hoje
 chove ontem
  chove amanhã
e é sempre impessoal
o tempo

                             ontem
                           hoje
                        amanhã
e dormem molhados
os olhos de saudade
dom de quem não pode sorrir


ontem chovi
não quis mais contar
era tudo grande demais
a água não se pretendia
entre os meus dedos
e não pude nadar

hoje me afoguei
não quis mais
era tudo úmido
o mar não evaporava
para que pudesse
e não pude

amanhã
o que dizer de amanhã?
chove
e eu, sempre o eu,
não quero ser a primeira pessoa

a despretensão de um verbo
pinta cinza e verde
toca com dedos de água
a música atemporal
que só acontece uma vez a cada gota

era um sonho
a chuva em primeira pessoa






terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Primavera


Desvencilhou-se da casa onde morou por muito tempo, foi duro. Cada canto havia sido planejado para ter um pouco de arte, e tudo ela havia deixado. Estava muda.

O que ela podia levar dela: mudas, sendo que nem todas eram das decorativas (ela havia aprendido a valorizar outras belezas).

Veio a mudança.

A nova casa era velha.

E ela plantou as que apareciam silenciosamente pra quem vinha de longe. Sentia-se um pouco de vermelho, de amarelo, de azul. A casa não era bela, mas saborear suas sutilezas fazia parar os transeuntes, ou com muita resistência destes, seus passos apenas atrasavam, pela beleza, imprevista.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

D. 3,14

[Deleuziana nº 3,14]

poetas perseguem uma personagem
personagens perseguem desejos
desejos perseguem objetivos
objetivos perseguem objetos
objetos seguem rumos
os rumos perseguem desvios
desvios perseguem repetições
as aliterações perseguem poetas

poetas desviam personagens
personagens desviam-se em desejos
desejos desviam objetivos
objetivos desviam-se d'objetos
objetos perdem o rumo
os rumos desviam os desvios
os desvios desviam as aliterações
as aliterações desviam-se das perseguições

e o e
conjuga-se com
o nada
que tudo
vira a todo
tempo

e o e
sempre começa
do nada
um contratempo
caótico

poetas perseguem desvios
personagens desviam perseguições
desejos perseguem desejos
objetivos desviam-se das objetivações
rumos perdem o rumo
objetos desviam objeções
aliterações repetem desvios
poetas falam repetições
as rimas conjugam o nada
o nada é um ser de alienações
sem centro, sem rumo, sem jeito
infinito dessujeito de individuações
um querer-ritornelo completo
repleto de defecções
os sons soam beleza
o sentido esvazia as significações

e se quiserem domar a palavra
a palavra
              muda fala
sem preocupações
não quer mais ponto,
não quer exclamações
não quer interrogatórios
tão pouco interrogações

desejo de vírgula
o infinito fala
das conversações





quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O dia da bomba

Todos, em cada parte do planeta, haviam se preparado para o dia da bomba. Todos viram, por consenso, que o homem, este mistério, gerava sempre mistérios novos, de carne e osso.
__ Dá pra salvar o mundo com tanto mistério junto? __ Perguntou uma criança.
E as indiferenças geradoras da corrupção, da antifraternidade, começaram a se converter em sentença comum.
__ A bomba pode dar um basta nisso tudo. __ Disseram os historiadores, cansados de dizerem a si próprios: "Tenho que ter paciência histórica"...
__ Afinal, de que serve a paciência? __ ...
__ A tolerância? __ ...
__ E as leis? __ ...
__ Estas são o ofício da desconfiança. __ Disse o burocrata, enterrado vivo sob papéis, sonhando com resoluções práticas: do soco, da morte encomendada, do amor...
__ Nem mais uma controvérsia? __ Disse o filósofo, pesaroso, depois de suspiros e silêncios condescendentes ao apelo geral.
E antes que a escritora se desse ao prazer de interpretar outros personagens deste mundo, ouviu um bombardeiro, foi à janela, viu alguns fazendo amor nas marquises vizinhas e assistiu, sem últimas angústias, à devastação absoluta de si e de tudo.
...
E por algum incerto cálculo nos planos do mundicídio, todos os recursos bélicos do mundo não haviam sido suficientes para realizar o sonho do extremo pessimismo. Havia moribundos por toda parte. Os bombardeadores providenciaram socorro. Automatizados pelo "dever"? Por humanidade?
Ninguém festejou o dia da bomba. Todos ficaram inertes, estendendo as mãos uns aos outros e duvidando, como muito antes, de seus anseios à morte.

sábado, 3 de dezembro de 2011

ri_o a _ual_uer _ora


um carnaval
todo tempo.
cornetavam saídas
blocos nas ruas
alardes de luz
nus nos carros
alegóricos do trânsito
parado.
roncava
o que não era cuíca
rodava
sem som de pandeiro
um pouco fluxo
e nenhuma condução.
sinal verde para entrar
na avenida.
aceleram motores
freiam ouvidos
e ninguém escuta mais
o peito que bate no peito
da frente.
problema de tráfego
engarrafamento
descompasso constituinte
ponte de safena 
incorporação de ritmos
acelerantes.
mão única,
martelo incansável sobre bigorna,
esculturas de concreto, metal e aço,
muito aço.
ânsia de cerveja
de vômito
de festa.
larga pista central
deixa os amores passarem
e chegarem.
faz chover, faz
assim os elefantes se acomodam
e todos dormem melhor
quando o céu chora
as cinzas da quarta feira.

Problema


Sim, há sentimentalidades hipócritas
Brincando delas mesmas enquanto bailam dentro de nós, histéricas
e nos fazendo ler livros dos quais deveríamos nos distanciar para depois retomar seus ânimos, como o próprio escritor, que os escreveu e sentiu, o deve ter feito, em algum instante em que um sussurro da sua mente constatou: isso não faz parte de mim agora.
E as palavras também são inúteis
querendo-se impronunciáveis nos momentos de aguda necessidade de esquecerem-se de si,
doa a quem doer.
Humaníssimas.
Por quê?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Vide Verso

O corpo revela,

vem e,

deixa-se preencher

no buraco de seu vazio.

É grito falso!

Por baixo de colchas retalhadas,

tudo se vai

é só um respirar comprido,

línguas de sede,

olhos entreabertos,

gozo barato.

12hs




ele poderia
naquele momento
pensar na beleza dela
amar-lhe a beleza
querer qualquer querer
fizesse ele radiar tudo
que quisessem

o interdito do não poder
era imposto pelo tempo
lhe atropelava o amor
para que ele se desse em silêncio

as horas do dia
nos píncaros do sol e
uma pergunta:
Estou bem assim?
e era o sol preocupado dos seus olhos
que recebiam a luz das palavras dele.

em poucos fonemas
toda rede imperiosa de Quereres
(o dizer, o pensar, o tocar, o querer, o estar, o qualquer)
atravessavam com a palavra o
corpo que era dela

o dia, em seus meios,
fazia um pedaço inteiro de felicidade
em meio ao trânsito
-Tráfico sujo e sedentário de
influências desmesurantes-
eles podiam dizer de amar
sem falar
na rouca ausência do verbo      
um mútuo mudo
caminhada na orla da praia
contemplação no alto da montanha
um diálogo a dois sem voz
e um pedido de eternidade