quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

t

[ou posvisão do tempo]

chove hoje
   chove ontem
        chove amanhã
e o tempo é sempre impessoal

                          ontem
                      hoje
                 amanhã
e os olhos dormem molhados
porque chove

ontem se repete
hoje se rrepete
amanhã chove
goteira de ser
esse canteiro de mofo
no teto do banheiro

a umidade
essa chuva que não cai
espalha

a disfonia completa
toca a matéria:
disrritmia densa
atravessa bigorna,
bate martelo
calça o estribo
vai calha afora
desliza superfícies
toca toda frequência
sem agredir nenhuma

pois, chove.


chove hoje
 chove ontem
  chove amanhã
e é sempre impessoal
o tempo

                             ontem
                           hoje
                        amanhã
e dormem molhados
os olhos de saudade
dom de quem não pode sorrir


ontem chovi
não quis mais contar
era tudo grande demais
a água não se pretendia
entre os meus dedos
e não pude nadar

hoje me afoguei
não quis mais
era tudo úmido
o mar não evaporava
para que pudesse
e não pude

amanhã
o que dizer de amanhã?
chove
e eu, sempre o eu,
não quero ser a primeira pessoa

a despretensão de um verbo
pinta cinza e verde
toca com dedos de água
a música atemporal
que só acontece uma vez a cada gota

era um sonho
a chuva em primeira pessoa






2 comentários:

  1. "t", assim como (c) de atravassagem guardam a agonia(luta)da língua, de qualquer parte sua, a tentar eclodir qualquer som de um íntimo revolto em nova coisa, soltar um ar preso entre mucosas, dentes... comunicando toda uma sede não saciada, de séculos, entre os homens.Teriam os primatas começado assim, como quando choramos e a boca move os portais de suas cavernas? E das nossas cavernas?
    Não sei se é uma proposta este uso das consoantes, mas poderia ser, pois reincide, marca.
    Cogito ser esta mais uma inovação sua, Jean. :)
    Sobre a chuva... que dizer a mais se a alteridade, o amor, é mesmo um labirinto, interpelando caminhos de sentido com suas contradições aparentes?

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  2. que dizer? sempre é a pergunta que as letras me fazem. querem uma autonomia muito maior do que os punhos têm. gosto da agonia, ela o melhor dos combates - disputa entre blocos dispostos a conversar, a lutar pela palavra, com a palavra e para a palavra. Nataly disse belas palavras e uma linha de vogais e consoantes agradece, pois se sente feliz,

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