segunda-feira, 10 de março de 2014

Afasia I

Não sou no centro desse mundo. Nenhum ser o é, por mais que deseje. A cada novo giro, mais letras, mais novas, e o desamparo essencial nesses tempos de consolo virtual. Tem lá a minha cara e um livro com um nome, que finjo meu. Alguns balões, uma conversa de almanaque, eu: o personagem principal - mas quantos não o são?! Mensagens, alertas, amigos: tudo feito em berço azul e másculo, quero dizer, imaculado, que me encanta e faz rezar a ladainha dos quinze minutos de contato com o âmago do meu mundo. Distraio-me e rezo covarde a profana religião da nova informação. Um excesso de narcisismo mascarado em rede. Acho tudo isso fascinante e me distraio. Acredito tanto nas relações que me distancio, falo por escrito, e demais por sinal. Pergunto-me mesmo até que ponto escrever não é um exercício estranho de afasia: assim, evita-se o incômodo do som, forte demais e pleno de efeitos, e aceita-se de bom grado os efeitos do silêncio da escrita, discretamente narcísico, olhando para imagem refletida na página daquilo que não quer falar. Assim quem me lê, acredita no que lê e não lê o que acredito estar escrevendo. Além da afasia, há defasagem. Não sou o centro do mundo - gosto de retomar os princípios. E vale dizer a seguir: nem somos o centro do mundo. O mundo é um outro que não sabemos. Ainda bem. Pois há um mistério nele que está prestes e pode nos quebrar a qualquer instante. E mesmo assim, Pascal, há a alegria. No silêncio infinito do nosso espaço interior, um sorriso, deslocados e soltos no vazio do deonde e praonde, despertos o suficiente para calarmo-nos com palavras.