sábado, 27 de novembro de 2010

Início ou

Estou cansado. É verdade, mas já não significa muita coisa. Já me cansei de estar cansado. Mas ainda mal comecei, ou então comecei mal. Devo tentar recomeçar? Pouco importa. Isso. Isso é que é importante. Devo começar por isso. “O Importante é que pouco importa”. Parece bem humilde. Eu poderia tentar explicar, poderia vasculhar minha memória em busca de sintomas e causas capazes de construir um laudo. Talvez eu até encontraria um culpado. Encontraria nele, no culpado, ligações subterrâneas com as mais inimagináveis desgraças. Feito isso, despejaria sobre ele toneladas e toneladas de fracassos existenciais que insistem em impedir meu caminho, aí com um pouco de sorte poderia me sentir melhor por 1, ou talvez 2 minutos. Posso contar e recontar essa história como tantos outros fizeram antes de mim, mas vou poupá-los, pois estou cansado e também porque sou humilde. Basta dizer por enquanto que de qualquer forma não faria muita diferença. Pois daqui a pouco tempo, eu, que me encontro neste momento no poder, eu, que seguro esta caneta como um cetro e que com ela desenho, vacilante, um esboço de meu reino, eu, o rei, serei destituído do poder e junto comigo todas as imagens e sons que carrego também perderão o comando. Darei lugar então a um outro, nem mais, nem menos humilde que eu, mas para o qual o culpado que criminalizei a pouco, aparecerá como um estranho qualquer, distante demais para ser acusado das desgraças da existência que agora responderão por outro nome e outro som. Libertarão então o ex-culpado e mais uma vez o machado não cairá sobre cabeça alguma. Portanto, enquanto não houver um carrasco para executar sua função, pouco importa. Nem sempre foi assim. Desconfio que nem sempre tenha sido assim. Há aqui comigo algumas histórias antigas, de outros reis provavelmente, Devo contá-las? Vou contá-las, não porque estou menos cansado mas porque gosto mais delas.

Um menino corre, corre e corre, ele tem os braços abertos e empurra o chão com toda força, ninguém está olhando pra ele, corre sozinho contra o vento. Então ele decide parar de respirar, assim ele pode correr mais rápido. E é verdade, ele está mais rápido, num momento ele sorri, no outro ele tem a impressão de ouvir um enxame em sua cabeça, seu estomago desesperado tenta pular pra fora da boca e seus olhos vão ficando escuros, escuros. O menino cai. E respira. Agora ele já sabe que não é livre.

É uma boa história, gosto dela, apesar do menino não ser muito humilde. Ela daria uma ótima história para carrascos, se houvessem carrascos. Vejam só, que ironia, eu, um rei, se é que ainda sou rei, estou completamente submisso a um carrasco. Na verdade nós reis somos muito mais submissos do que se pode imaginar. Eu mesmo mal consigo começar, quem diria então terminar. Deveria tentar ?.............o que ?

M.F.

Um comentário:

  1. na tentativa (frustada?) de desconstruir sentidos, m.f. quer construir um sentido quase vazio. Se ele pudesse apresentar as palavras e nos não as entendêssemos,

    o texto segue em reticências contínuas. m.f. pode e deve extrapolar mais e sempre!

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