quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Às formigas

Tempo houve, em que se investiu no audacioso projeto de se fazer ampulhetas com terras vivas dentro. As desertificadas, que dariam? Um correr monótono de uma cuia à outra de hora.
Estávamos eu e meu avô com esta tarefa épica: ele, exímio contador de histórias, racista, bondoso e trôpego; eu, criança, ranzinza, caçador de pássaros, dissecador de sapos, astuto.
Curioso o fato de todas nossas ampulhetas empalidecerem, menos uma, que esverdeava e dentro da qual as formigas multiplicavam-se, fazendo estalar o objeto de vez em quando. Os segundos dela eram instáveis pelo trânsito dos insetos. Sugeriam músicas e hipnotizavam-me um pouco.
Tempo passou e a ampulheta sufocou-se de vida. Sem vazio para fazer correr cronologias, quebrou-se no mesmo instante em que, contemplando meu avô, quase morto, em sua cadeira de balanço; vi calarem-se com ele suas histórias, seu racismo, sua bondade e seu corpo.
Terá ele visto este espetáculo de cacos de vidro e jardim explodido na sua sala de estar?
...
E as formigas voltaram à soturnidade de seu ofício, junto à selva que ainda caço e disseco.

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