Tempo houve, em que se investiu no audacioso projeto de se fazer ampulhetas com terras vivas dentro. As desertificadas, que dariam? Um correr monótono de uma cuia à outra de hora.
Estávamos eu e meu avô com esta tarefa épica: ele, exímio contador de histórias, racista, bondoso e trôpego; eu, criança, ranzinza, caçador de pássaros, dissecador de sapos, astuto.
Curioso o fato de todas nossas ampulhetas empalidecerem, menos uma, que esverdeava e dentro da qual as formigas multiplicavam-se, fazendo estalar o objeto de vez em quando. Os segundos dela eram instáveis pelo trânsito dos insetos. Sugeriam músicas e hipnotizavam-me um pouco.
Tempo passou e a ampulheta sufocou-se de vida. Sem vazio para fazer correr cronologias, quebrou-se no mesmo instante em que, contemplando meu avô, quase morto, em sua cadeira de balanço; vi calarem-se com ele suas histórias, seu racismo, sua bondade e seu corpo.
Terá ele visto este espetáculo de cacos de vidro e jardim explodido na sua sala de estar?
...
E as formigas voltaram à soturnidade de seu ofício, junto à selva que ainda caço e disseco.
A luz nas cavernas trabalha aquém da idéia e é poesia que salta,
ResponderExcluir:*
ResponderExcluir